segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A leitura de mundo precede a leitura da palavra.



Ainda na Universidade li um texto interessante do Frei Betto ( escritor e religioso dominicano brasileiro) sobre Paulo Freire e a sua leitura de mundo. 
 


"Ivo viu a uva", ensinavam os manuais de alfabetização. Mas, o professor Paulo Freire, com seu método de alfabetizar conscientizando, fez adultos e crianças, no Brasil e na Guiné Bissau, na Índia e na Nicarágua, descobrirem que Ivo não viu apenas a uva com os olhos. Viu também com a mente e se perguntou se a uva é natureza ou cultura.


Ivo viu que a fruta não resulta do trabalho humano. É Criação, é natureza. Paulo Freire ensinou a Ivo que semear uva é ação humana e sobre a natureza. É a mão, multiferramenta, despertando as potencialidades do fruto. Assim como o próprio ser humano foi semeado pela natureza em anos e anos de evolução do Cosmos. Colher a uva, esmagá-la e transformá-la em vinho é cultura, assinalou Paulo Freire. O trabalho humaniza a natureza e, ao realizá-lo, o homem e a mulher se humanizam. Trabalho que instaura o nó de relações, a vida social. Graças ao professor, que iniciou sua pedagogia revolucionária com operários de Senai de Pernambuco, Ivo viu também que a uva é colhida por bóias-frias, que ganham pouco, e comercializada por atravessadores, que ganham melhor.

Ivo aprendeu com Paulo Freire que, mesmo sem ainda saber ler, ele não é uma pessoa ignorante. Antes de aprender as letras, Ivo sabia erguer uma casa, tijolo a tijolo. O médico, o advogado ou o dentista, com todo o seu estudo, não era capaz de construir como Ivo. Paulo Freire ensinou a Ivo que não existe ninguém mais culto do que o outro, existem culturas paralelas, distintas, que se complementam na vida social. Ivo viu a uva e Paulo Freire mostrou-lhe os cachos, a parreira, a plantação inteira. Ensinou a Ivo que a leitura de um texto é tanto melhor compreendida quanto mais se insere o texto no contexto que Ivo extrai o pretexto para agir. No início, meio e fim do aprendizado é a práxis de Ivo que importa. Práxis-teoria-práxis, num processo indutivo que torna o educando sujeito histórico. 

Ivo viu a uva e não viu a ave que, de cima, enxerga a parreira e não vê a uva. O que Ivo vê é diferente do que a ave vê. Assim, Paulo Freire ensinou a Ivo um princípio fundamental da epistemologia: a cabeça pesa onde os pés pisam. O mundo desigual pode ser lido pela ótica do opressor ou pela ótica do oprimido. Resulta uma leitura tão diferente uma da outra como entre a visão de Ptolomeu, ao observar o sistema solar com os pés na Terra, e a de Copérnico, ao imaginar-se com os pés no Sol.
Agora Ivo vê a uva, a parreira e todas as relações sociais que fazem do fruto festa no cálice de vinho..."


Paulo Freire afirmava que "a leitura do mundo precede a leitura da palavra". O que então, queria dizer com isso?
Queria dizer que a leitura de mundo é tudo aquilo que tem significado para o indivíduo.
São os olhares, os cheiros, os toques, os gostos, os saberes que temos e acumulamos na nossa vivência diária. É aquilo que está intrínseco em nós mesmos. Nossa linguagem, aquilo que somos, nossas representações e símbolos, nosso conhecimento historicamente acumulado vinculado à nossas opiniões pessoais.  É através da leitura de mundo que vamos apreender a leitura da palavra. É que vamos criar nossas percepções, construindo as relações que levam ao aprendizado. A leitura da palavra só ganha significado e significância se ela vier intrinsecamente apreendida com a leitura de mundo do educando e socializada com o coletivo da turma, para que vivenciada as diferenças, aconteçam as internalizações e acomodação da aprendizagem, propriamente dita.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

(Olha eu aqui) comemorando um aninho do meu blog...



Esses dias li um relato de Rubem Alves ( já deixei claro aqui que gosto demais dele) que dizia assim:

"O estudo da gramática não faz poetas. O estudo da harmonia não faz compositores. O estudo da psicologia não faz pessoas equilibradas. O estudo das "ciências da educação" não faz educadores. Educadores não podem ser produzidos. Educadores nascem. O que se pode fazer é ajudá-los a nascer. Para isso eu falo e escrevo: para que eles tenham coragem de nascer. Quero educar os educadores. E isso me dá grande prazer porque não existe coisa mais importante que educar. Pela educação o indivíduo se torna mais apto para viver: aprende a pensar e a resolver os problemas práticos da vida. Pela educação ele se torna mais sensível e mais rico interiormente, o que faz dele uma pessoa mais bonita, mais feliz e mais capaz de conviver com os outros. A maioria dos problemas da sociedade se resolveria se os indivíduos tivessem aprendido a pensar. Por não saber pensar tomamos as decisões políticas que não deveríamos tomar..." 

Nas conversas com educadores os temas favoritos de Rubem Alves são: A alegria de ensinar, A educação dos sentidos, O prazer de ler, A arte de pensar, O educador como sedutor, O educador como feiticeiro, O educador como artista, O educador como cozinheiro, As leis do pensar criativo, Anatomia do pensamento: informação, razão, inteligência, conhecimento, alegria, Aprendendo a desaprender, Entre a ciência e sabedoria: o dilema da educação, Educação e política, Educação e Vida, Aprendizagem e prazer.

Li recentemente o livro O Desejo de Ensinar e a Arte de Aprender. Sou suspeita pra falar, mas adorei. Retomo assim meu blog ( mais uma vez... e que bom!) indicando a leitura desse livro que é leve e bastante gostosa.